Sobre Call Center [3]

Faltou explicar o porquê da minha saída do “call center”, após quase 6 meses, quando já sabia resolver os problemas dos clientes e finalizava mais ligações com agradecimentos que com xingamentos. O que tornou as coisas bem difíceis foi que apesar de parecer durar uma eternidade, as greves acabam e por um bom tempo tentei o malabarismo de conciliar a Engenharia com trabalho. Cheguei a conclusão que enquanto fosse possível o ideal era evitar, ainda que a carga horária fosse relativamente curta, o compromisso exauria.

A gota d’água para minha saída foi um tombo de moto e uma viagem de meus pais. Eu reduzi a quantidade de matérias que cursaria durante o período, precisei eliminar as mais importantes, mas optei por manter o emprego por um tempo. Pelo que me lembro tinha uma matéria na parte da manhã e duas a noite, algo assim. Sexta feira eu tinha um acordo de boca, frágil, com meu supervisor que me permitia sair mais cedo e fazer hora extra no fim de semana.

As aulas na parte da manhã sempre foram um suplicio para mim, até porque me habituei com o curso noturno e nunca tive a capacidade de dormir cedo. A moto era o que tornava a missão pouco menos difícil por não me obrigar a seguir os horários de ônibus e me possibilitava manter os treinos de jiu jitsu e raras oportunidades de frequentar a musculação.

Foi ai que meu pais marcaram de viajar e vários problemas iam aparecendo. Casa sozinha ou minha irmã e a casa sozinhas. Alimentar os bichos, preparar as refeições, lavar louças e roupas. Sem sombra de dúvidas que o Caos no quarto se espalhou para toda a casa. Tive algumas poucas experiências agradáveis na cozinha e muita preocupação estar responsável por tudo.

Meus pais saíram numa quinta feira, assim que o dia amanheceu. No mesmo dia tomei meu primeiro tombo significativo de moto e o susto foi tão grande, junto com a terrível sensação de não ter a quem recorrer que só pude perceber as consequências no dia seguinte. Fui para faculdade fazer trabalho tentando colocar na cabeça que estava tudo bem e ficar satisfeita por nada demais ter acontecido. Resolvi o que precisava e fui para casa.

Moro em um sitio de certa forma afastado, o que pode ser muito bom quando se quer paz ou ouvir música alta. E pode ser péssimo quando se está sozinha ou amedrontada. A cachorra parecia perceber a insegurança que a ausência de meus pais causava e se mantinha sempre agitada. Percebi um rasgo na minha jaqueta e um pequeno arranhão, nada demais.

Até que acordei no dia seguinte e fui conferir. E ai que se percebe o poder das palavras. Te tanto chamar minha moto de filha, senti dor por ela quando vi o farol quebrado. Nunca havia precisado ligar para atendimento em lugar nenhum e não fazia ideia de como o seguro da moto funcionava, não podia contar para meus pais do acontecido, eles não iriam resolver nada, ficariam preocupados e me encheriam de perguntas.

Foi quando lembrei que um amigo do trabalho havia me falado sobre o irmão que trabalhava com motos. Cheguei amedrontada em um morro inclinado que eu nem conseguiria estacionar a moto. Devido a minha incapacidade de esconder medos e nervosismo, logo ele percebeu. Me orientou a entrar em contato com seguro, me acalmou e fez orçamento e se prontificou a ajudar caso fosse necessário.

Ainda sofria toda vez que via o mal que havia causado a minha moto. Não tinha cabeça para ir a aula, nem seria fácil de ônibus conseguir manter aulas e trabalho. Praticamente abandonei o semestre, foi minha primeira reprovação por infrequência. Que acompanhado da necessidade de não deixar a casa nem minha irmã sozinhas e frequentar mercado e fazer refeições me fizeram prometer sair do serviço durante as férias.

Eu não era a única que passava por situações complexas para continuar trabalhando. Mesmo sendo muito agradável a convivência com os colegas de trabalho, o formato de empresa de telefonia envolve uma esfera meio carregada. Não há muito respeito pelo funcionário, muito menos interesse por suas necessidades. Eles mudavam o horário de trabalho da forma que julgavam conveniente assim como mudavam as campanhas.

Conversamos com nosso supervisor, eu e mais uma grande amiga que fiz nesse período, pedimos que nós mandasse embora no final das férias. E o pedido saiu antes do esperado, haviam várias mudanças programadas e na no dia seguinte seríamos demitidas. Foi péssimo sair tão rápido, estava completamente apegada. Assinei os papeis tremula, sai de lá com os olhos cheio de lágrimas.

Foram dias tão intensos, sábados, domingos e feriados. Dia após dia a mesma rotina, deixar o capacete ali, pegar “headset” e caneca. Procurar os amigos de outras campanhas pelo corredor. E quantos amigos e conhecidos que tenho gratidão por ter conhecido. Como é bom encontra-los por ai e saber suas histórias atuais. Saudade da campainhas que avisava que a ligação caiu. Das piadas e brincadeiras nos dias que o volume de ligações era menor.

A supervisora eventual tinha acabado de me incentivar falando sobre como eu tinha uma forma meiga e a voz doce ao atender, eu enxergo como voz de criança chorona melosa. Tentei não despedir de ninguém, mas os poucos que nós viram no caminho acompanhadas do supervisor entenderam na hora. As palavras de despedida engasgavam e até o bombeiro e o porteiro ficaram sem entender.

Vou sentir falta dos cochichos entre atendimentos, dos clientes exaltados, dos protocolos de prioridade e de todas as outras brincadeiras. Era uma coisa extremamente estressante que as amizades tornavam leves. Lembro da bronca que levei de um cliente enquanto procurava no contrato algo que justificasse uma cobrança da empresa que ele julgava se injusta. E passado o susto, sentávamos e riamos do terror.

Sem contar as inúmeras discussões de vidas amorosas ou não amorosas. Que julgamos, opinamos, discutimos e eu adorava ser a conselheira, ter resposta e profetizar tudo, exceto o que diz respeito a mim, claro. São amizades baseadas em sinceridade ao excesso e até vem dando certo. Sempre fui de me envolver muito nos problemas que me são contados e nesse caso que passávamos longos períodos lado a lado dava para absorver tudo sem precisar trocar muitas palavras.

 

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