Conto do Nada

Me descobri, como frequentadora e leitora de blogs, como uma apreciadora de contos. E repassando algumas lembranças cheguei em meados de 2009, no segundo ano do ensino médio, época que foi proposto a turma um trabalho individual sobre filosofia da morte. Esse tema quem escolheu foi a turma, em um sorteio feito em sala de aula, só lembro de mais uma opção que tínhamos e era filosofia da religião, considero uma atitude sensata escolher falar sobre a morte.

Sempre gostei muito de filosofia, nosso professor fazia, e ainda deve fazer, um trabalho excelente. O que mais admirava nesse trabalho é que ele era capaz de extrair opiniões e pontos de vista com naturalidade, nós instigava. Fiz então o trabalho de produzir um pequeno conto, que chamei de conto do nada e vou compartilhar aqui. Mantenho da forma que encontrei em um arquivo antigo entre os documentos arquivados no computador.

Capitulo 1 –  Por que escrevo?

Poderia chamar isto que agora escrevo de diário, mas não, na verdade será um conto. Não um conto, uma serie de divagações a respeito de nada. Chamarei de conto e pronto. Diário é muito pessoal e sem objetivo, por isso prefiro conto. Pois eu tenho um objetivo, ainda não o conheço, num entanto  o tenho.

Por que escrevo é mais complexo. Escrevo sem intenção que me leiam. Não, quero que leiam ou então não escreveria. Entretanto não escrevo exclusivamente para os outros, escrevo para mim, quem sabe se eu não ganho alguma coisa, de mim mesmo, escrevendo. Nem que seja minha admiração por mim, vale tentar, não há o que perder.

Outra constatação que me vem em mente enquanto escrevo é que não tenho uma maneira de me aproximar dos humanos. Falarei sobre mim mais à frente, se você é humano não deve me conhecer. Porém, não me considero uma grande e plena conhecedora de mim, ao menos tento me entender.

Voltando aos humanos, não os conheço, apenas os assisto de longe, às vezes de perto, enfim assisto. E apesar de achá-los sem nexo, assumo  possuir um interesse fora do comum por eles. Qualquer um ficaria surpreso se pudesse assistir, assim como eu, a humanidade. Para ser sincera acredito que sei pouco sobre os homens, gostaria de saber mais.

Eu diria que me inspirei em humanos quando resolvi escrever, é tipicamente humano escrever antes de pensar e sem objetivo pré-definido ou claro. Eu me identifico com esses seres vivos em geral, não sempre, às vezes, eles parecem legais mais estão distantes.

 

Capitulo 2 – Quem sou?

Confesso que não sei ao certo. Fisicamente sou uma sombra, não sei como me chamariam no mundo humano. Sei que não sou o que chamam de alma e não há nenhum invólucro carnal que me limite. Não me lembro de nenhum passado nem nada que me situe em um começo ou fim.

Começo e fim são coisas dos homens. Mas tenho uma memória, memória não, porque acredito que se apague rápido ou se renove constantemente, seria um amontoado de lembranças. E se nada sou, já que não nasci, conseqüentemente não vivo, portanto não morrerei. Qual seria a utilidade de uma memória para mim?

Não vivo, não conheço sombras indefiníveis como eu, me consideraria uma parasita da vida alheia. Um parasita mesmo, já que não vivo e ainda assim me emociono com a vida daqueles que acompanho. É engraçado ler estas minhas perspectivas passadas para o papel, ou melhor essas ausências de perspectivas.

Acrescento também a esse meu relato o prazer e o apego que tenho pelos humanos e o quanto eles me fascinam. Tenho minhas preferências, quem não tem? Isso não é crime. E me sensibilizo profundamente com os problemas e até mesmo com obras idéias, torço, grito e às vezes tento interagir sem resultado com os necessitados.

 

Capitulo 3 – Minhas interações

Minha vida, existência, realmente não sei como chamar esta fase que estou passando. Ou melhor não estou passando por nada, ora pois, não existo, fato. Não sei como falar de mim então volto a falar do mundo que talvez seja seu, leitor. Como é bom dialogar com um leitor em um texto, sinto uma importância invadir meu eu. Se é que existe um eu dentro de mim.

Sobre as interações o que posso dizer é que não posso fazer contato direto com esses seres vivos que me trazem uma ilusão de existência. Julgo que se eu pudesse não seria compreendia, ou talvez eu até já tenha sido percebida e não compreendida, e quem sabe não fui ignorada, não gosto dessa ultima idéia, então não penso nela.

E como eu disse eu me sensibilizo com as dificuldades e os obstáculos dos quais os homens precisam aprender a transcender. E tenho o que eu chamaria de satisfação de andar por entre os homens e suas construções, entender expressões e manifestações, resumindo: vontade de ajudá-los e apreciar-los.

Eu diria que os homens são seres completamente incompletos e mesmo assim consideram-se incríveis. Não que não tenha algo de incrível, algo que beira o cômico, eu diria. Em meus passeios, mais proximos aos humanos, não sei se posso tratar assim, acredito que muito aprendi.

Não sei se aprendo, tem coisas sobre mim que eram mais claras antes e que após qualquer contestação parece que deixa de ser tão simples. Conviver ou melhor me aproximar dos homens me torna diferente, diferente de algo que não sei o que era. Houve um caso, em particular, que agora com a recordação me traz algumas duvidas.

 

Capitulo 4 – Um caso especial

Como eu já mencionei parecia que determinados humanos conseguiam pressentir algo similar a minha presença. E eu tinha vontade de ajudá-los de algum jeito. E como alguém que quer ajudar, geralmente eu passeava perto de doentes, hospitais, clinicas, asilos.

Eu não gosto de mencionar isso mais em alguns momentos eu sentia que as pessoas sentiriam medo de mim. Creio que não, às vezes me sinto paranóica. O fato de estar sozinha em um mundo de indivíduos diferentes de você deve ter alguma relação.

Uma vez em especial, em um dia que eu tinha prometido não interferir, não chegar perto, um rapazinho muito me impressionou. Se existisse outra pessoa igual a mim eu não contaria isso, não acredito muito, mais me parecia que aquele humano estava em sintonia comigo.

Era um humano com uma doença terrível, em meio a tantas enfermidades humanas não lembro o nome desta em especial, mais eu percebia muita dor na expressão do rapaz e como se não fosse o bastante ele ainda sofria com as dificuldades que sua família tinha de arcar com as despesas de seu tratamento.

Eu cheguei a imaginar que aquele humano queria minha ajuda e queria estar próximo de mim. Senti-me afeiçoada a ele mais tive medo,  não gosto de mencionar isso mas diversas vezes que me aproximei de humanos com intenção de ajudá-los fui obrigada a vê-los desfalecendo, e uma sensação terrível me invadia, a culpa.

Fui afastando todas as lembranças de enfermos que vi falecer enquanto aproximava do rapazinho e fui percebendo que todos aqueles que eu me aproximei, não sei se pelo sentimento de destruir a dor ou de trazê-los para perto de mim, próximo a minha não vida, ao meu nada cotidiano, se foram.

Hesitei na hora de me aproximar porém o olhar daquele menino pedia que eu chegasse perto, e o pedido ia ficando intenso e não pude negá-lo. Encostei me à mão do menino na intenção de aliviar qualquer dor que ele estivesse a sentir e um som tomou conta do quarto.

O coração parou de bater, avisou o maquinario do médico. Descobri o sentido de minha existência, o que consiste, que para mim não deixa de ser uma forma de vida, a minha função. Não era a que eu esperava. Não era a que eu queria. Este texto virou uma tentativa então de me justificar, me desculpar.

Após a despedida daquele menino, após muitos outros que se foram da mesma forma e nem mesmo percebi. Finalmente descobri a minha finalidade que não era assistir a vida. Eu sempre fui a responsável por acabar com a dor, não da forma que todos esperavam. Eu era a morte, eu sou a morte. A minha vida é levar aqueles que precisam morrer.

É como um personagem feito para dar fim, finalizo essa minhas narrativa…

 

FIM

 

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